GIL E GORDURINHA
Em apresentação, Gil repudia composições
MARCELO RUBENS PAIVA
Articulista da Folha de S.Paulo
No show histórico que Gilberto Gil fez na Universidade de São Paulo em 1973, que está sendo registrado em três CDs remasterizados por Paulo Tatit, ele repudia composições antigas num surpreendente desabafo. Após tocar "Procissão", o cantor comenta:
"É o exemplo de como o novo pode ser velho. Essa música é velha, ingênua, incorreta, faz colocações que eu não faria hoje. O verso 'só acho que ele [Jesus] se esqueceu de dizer que a gente tem de arrumar um jeitinho de viver' é um erro meu, provocado pela falha, uma ansiedade minha de servir, de denunciar".
Quando um estudante grita para ele tocar "Roda", Gilberto Gil interrompe:
"É outra canção maniqueísta que repudio. Eu estava engajado, como em 'Louvação'. Não as rejeito, passei por ali. Só que hoje estou além. Ou aquém. São músicas incorretas. A realidade hoje é outra. São idealistas, não são objetivas. Se não pode dizer a verdade hoje, não diga".
A platéia insiste para ele cantar "Domingo no Parque". Ele acaba cedendo. Mas, ao final, diz:
"É uma música belíssima, mas foi um equívoco a utilidade dela como instrumento de transformação. Isso fica ineficaz de repente, não representa mais o que representou. Continua poeticamente forte, mas enquanto instrumento politico é perecível. É nisso que vocês, como eu, precisam estar muito atentos".
Gil até então tinha cinco LPs gravados. Voltava de um exílio forçado. Abriu o show com uma versão de mais de 11 minutos de "Oriente": "Vim aqui porque os meninos me pediram, sabe como é. Fiz uma escolha de músicas para cantar seguindo um critério meio absurdo".
Ele toca sambas de Gordurinha, Caco Velho e Germano Mathias. A platéia pede "Cálice".
Gil diz que não se lembra da letra. Alguém da platéia lhe oferece um recorte com a letra.
Um estudante interrompe: "Posso fazer uma pergunta? A gente sabe que toda manifestação artística existe dependendo do que tem ao redor".
Gil não concorda e diz que elas existem independentemente de tudo. Quando o estudante é vaiado, Gil pede: "Afaste dele esse cálice". É nesse momento que diz a frase que ficou marcada na memória dessa geração:
"Procuro pelo menos fazer o que acho que posso fazer e o que devo fazer. Como numa corrida de obstáculo, se não dá para passar por cima, passa por baixo".
Cantando "Expresso 2222", ele improvisa: "Tudo tem dois lados, tudo certo, tudo errado, 2222, felicidade vem depois".
Ele canta ainda seis minutos de "Objeto Sim, Objeto Não", pergunta quem já viu disco voador e diz que viu um na Bahia: "Tanto faz crer ou não. Se existe, ótimo, se não existe, também".
Gil canta ainda nove minutos de "Duplo Sentido" e encerra com rocks como "Back in Bahia", que ele chama de "Aquele Abraço às Avessas
MARCELO RUBENS PAIVA
Articulista da Folha de S.Paulo
No show histórico que Gilberto Gil fez na Universidade de São Paulo em 1973, que está sendo registrado em três CDs remasterizados por Paulo Tatit, ele repudia composições antigas num surpreendente desabafo. Após tocar "Procissão", o cantor comenta:
"É o exemplo de como o novo pode ser velho. Essa música é velha, ingênua, incorreta, faz colocações que eu não faria hoje. O verso 'só acho que ele [Jesus] se esqueceu de dizer que a gente tem de arrumar um jeitinho de viver' é um erro meu, provocado pela falha, uma ansiedade minha de servir, de denunciar".
Quando um estudante grita para ele tocar "Roda", Gilberto Gil interrompe:
"É outra canção maniqueísta que repudio. Eu estava engajado, como em 'Louvação'. Não as rejeito, passei por ali. Só que hoje estou além. Ou aquém. São músicas incorretas. A realidade hoje é outra. São idealistas, não são objetivas. Se não pode dizer a verdade hoje, não diga".
A platéia insiste para ele cantar "Domingo no Parque". Ele acaba cedendo. Mas, ao final, diz:
"É uma música belíssima, mas foi um equívoco a utilidade dela como instrumento de transformação. Isso fica ineficaz de repente, não representa mais o que representou. Continua poeticamente forte, mas enquanto instrumento politico é perecível. É nisso que vocês, como eu, precisam estar muito atentos".
Gil até então tinha cinco LPs gravados. Voltava de um exílio forçado. Abriu o show com uma versão de mais de 11 minutos de "Oriente": "Vim aqui porque os meninos me pediram, sabe como é. Fiz uma escolha de músicas para cantar seguindo um critério meio absurdo".
Ele toca sambas de Gordurinha, Caco Velho e Germano Mathias. A platéia pede "Cálice".
Gil diz que não se lembra da letra. Alguém da platéia lhe oferece um recorte com a letra.
Um estudante interrompe: "Posso fazer uma pergunta? A gente sabe que toda manifestação artística existe dependendo do que tem ao redor".
Gil não concorda e diz que elas existem independentemente de tudo. Quando o estudante é vaiado, Gil pede: "Afaste dele esse cálice". É nesse momento que diz a frase que ficou marcada na memória dessa geração:
"Procuro pelo menos fazer o que acho que posso fazer e o que devo fazer. Como numa corrida de obstáculo, se não dá para passar por cima, passa por baixo".
Cantando "Expresso 2222", ele improvisa: "Tudo tem dois lados, tudo certo, tudo errado, 2222, felicidade vem depois".
Ele canta ainda seis minutos de "Objeto Sim, Objeto Não", pergunta quem já viu disco voador e diz que viu um na Bahia: "Tanto faz crer ou não. Se existe, ótimo, se não existe, também".
Gil canta ainda nove minutos de "Duplo Sentido" e encerra com rocks como "Back in Bahia", que ele chama de "Aquele Abraço às Avessas
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